10 de maio de 2009

GAROTA DE ALUGUEL
Amaro Vaz

 

Pinta a boca com as infinitas cores
De quem mendiga, um prazer alheio.
Teu pão de cada dia é sem recheio
A fome não sacia os teus pudores.

As tuas noites são feitas de calçadas
Em ruas frias de silêncios mórbidos.
Os teus prazeres são desejos sórdidos
Que voam as desumanas madrugadas.

O filho vive o ventre do abandono
Enquanto, no dia, dorme inteiro sono
Aquela atriz a quem cabe o papel.

De dar à vida um preço miserável
Num beijo de sabor tão deplorável
Vendendo o teu corpinho de aluguel.

GAIVOTA
Amaro Vaz


Voe livre gaivota
Que o espaço ainda suporta
As razões de seu voar.
Alce um vôo bem bonito
Que na luz do infinito
Há uma vida de encantar.

Eu também sou gaivota
Que um dia teve à porta
Todos os sonhos do ar.
Mas, meu vôo foi rasante
Algo assim tão degradante
Que me fez estacionar.

Voe livre, gaivota
Que o espaço não tem porta
Nem limites, o seu voar.
Alce um vôo bem ousado
Que a certeza do traçado
Faz perfeito o aterrissar.

Eu também sou gaivota
Que por ter uma asa torta
Nunca esteve em evidência.
Os meus erros do passado
É melhor deixar de lado
Só guardar a experiência.

Voe livre, gaivota
Que o voar é uma porta
Que não se deve fechar.
Alce um vôo alucinado
Que o espaço é um telhado
Feito para lhe abrigar.

Eu também sou gaivota
Que um dia teve à porta
Todos os sonhos do ar.
Mas o medo do espaço 
Fez-se forte, como um laço
Que eu não soube desatar.

GAIOLAS VAZIAS

Amaro Vaz


Passarinhos... Liberte os passarinhos
Mamãe gritava com o seu irmão.
Devolva-lhes o céu, que a escuridão.
De uma gaiola não sabe os seus ninhos.

Passarinhos... Devolva aos passarinhos
O vôo inteiro na imensidão.
Não são as migalhinhas de um pão
Que irão fazer felizes os bichinhos.

Devolva-lhes o céu, a liberdade
Devolve-lhes a inteira identidade
Devolva-lhes ao vôo rotineiro.

Para que eles venham todos os dias
Cantar suas alegres melodias
Na copa de um arbusto em seu terreiro.

FUGA II
Amaro Vaz

O amor é uma caixinha de surpresas
Que todos querem ter o conteúdo.
Por isso é que se diz que "o amor é tudo"
É nossa paz, é nossa fortaleza.

Não encha o seu amor de incertezas
Que, além de cego, ele se faz de surdo.
Infelizmente, quando fica mudo
Não sobra água sobre as correntezas.

O amor só dura o tempo necessário
Conhece a força de seu itinerário
E do amanhã entende os segredos.

Quando a pobreza entra pela porta
Se ele é feito da grana que conforta
Foge o malandro, pelos vão dos dedos.     

FUGA
Amaro Vaz

Cansei de amar um amor enlouquecido
Amor que faz besteiras e faz badernas.
Que ora fala mal, ora diz coisas ternas
Que é um santo, às vezes é bandido.

Cansei de ser amigo, ser o adversário
De estar no céu, logo depois na lama.
De ser, apenas, mais um em tua cama
Cansei de ser real, de ser imaginário.

Cansei de ser o causador das brigas
Cansei de ser remédio pras tuas feridas
Cansei de ser ora imbecil e ora culto.

Ao me cansar de tudo, eu simplesmente
Quero dizer-te amor, que infelizmente
Eu “fui”, sem deixar rastro ou vulto.